quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Penteado

Sentou-se. "Vamos ver o grande cabelereiro", disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, assim depressa, como podem supor os cabelereiros de ofício, mas devagar, devargazinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por desuso, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis.


Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os de Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. [...] Enfim, acabei as duas tranças.

Dom Casmurro - Machado de Assis (Cap. XXXIII O Penteado)

Tô postando muitas vezes numa mesma semana, vou tentar me controlar mais hehe. Hoje não resisti a colocar esse trecho do livro, tão bonitinho.

Um comentário:

  1. Bonitinho?! Camila, o trecho é lindo! Machado de Assis nunca será só bonitinho (isse adjetivo pode ser usado para Meg Cabot ou algo assim!), mas sempre poético e imortal!
    Adorei o post... que tal postar mais trechos legais?!

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